Aprendizes seremos para sempre

Foto: Cláudia Prado


Reflexões sobre os momentos nos quais o descompasso na Roda da Dança é maior do que a harmonia.

Quando entro em uma roda de Danças Circulares sei que estou pisando em terreno sutil de leveza e consciência. Seja como focalizadora ou dançarina, a busca pela precisão e presença está sempre viva na minha vontade.

Assim dentro como fora, na roda da dança e na roda da vida, qualquer passo em vão pode me levar ao descompasso. Qualquer desatenção inocente pode gerar confusão e desconforto. A atenção, desde os simples detalhes aos mais complexos relacionamentos de gestos, ritmos e sinais é a chave para uma dança plena e saudável.

Não entro apenas para dançar, ou só para me divertir. Entro com todo o meu ser, para movimentar a estagnação, para me olhar sob novos ângulos, para ver como posso alcançar minha melhor versão em cada intervalo entre silêncio e som. Todo dia, uma nova chance. Em cada passo, um despertar. Em cada dança, um convite.

Apesar de todo cuidado, respeito e atenção aos desafios... há  momentos de puro e total descompasso. São as chamadas situações-limite, quando nada se encaixa. O corpo chacoalha fora do tempo, o espaço comprime, o coração acelera fora da música da alma, a mente borbulha histórias em vez de silenciar. O descompasso é total. Corpo, mente, emoções e espírito estão desalinhados, navegando por ritmos alucinadamente distintos.

Não importa há quanto tempo dançamos, pois a Vida tem lá os seus caprichos. Cada vez que a lição não foi aprendida, ela volta sob a forma de uma nova dança, para nos pegar na contradança da esquina. O que muda é apenas a coreografia e o ritmo. As lições são sempre as mesmas, com intensidades ou profundidades diferentes.

Por isso eu sempre digo que a roda é um espelho. Piso no círculo e logo percebo como estou: fora do eixo ou centrada; atenta ou dispersa; com o coração aberto ou fechado; corpo macio ou endurecido; mente quieta ou inquieta; olhar que julga ou recebe... são milhares de nuances e tons em cada roda. Nunca é igual. Nunca somos os mesmos.

Mas... vamos falar desses momentos sublimes de cansaço, desânimo, desesperança e desalento, nos quais podemos – ou não – atingir o ponto de transmutação. Do cansaço, emergir com energia renovada. Do desânimo, visualizar amparo no movimento. Da desesperança, encontrar a fé. Do desalento, revisitar a força.

No descompasso da dança o novo pode surgir. É preciso deixar acontecer. Fluir com o não saber, acolher a mentira vestida de verdade, abraçar a confusão da mente, abrir mão dos passos seguros. O descompasso vem para nos alertar sobre novos caminhos e formas de ser e aprender. Um convite para largar tudo o que sabemos e deixar o ar da manhã, com todo o seu frescor invadir nossos pulmões com renovação e esperança. Afinal, sabemos muito pouco da vida e nossos passos não passam de ensaios.

É preciso deixar acontecer. A dor, a espera, a dúvida, o silêncio, a inquietação, a irritação, o tempo. O descompasso respira, o corpo explode, o circulo se fecha, o encanto se quebra. E com o tempo...libertação e liberdade se fundem e germinam.

Nem sempre aprendemos pelo amor. Muitas vezes, a lição nos chega pela dor. O ensinamento é igualmente importante. Mais dolorido, menos colorido. Ao aceitar essa dança e vivenciar o seu descompasso, exercitamos o sagrado dom do acolhimento. Abrimos um silencio maior do que a música, para escutar além das notas. Desafinamos as certezas, sim, é verdade... e isso não é nada agradável. Mas porque afinal dançamos, se não for para nos tornarmos, a cada desafio, seres melhores?

Na verdade, percebo que não importa se estou no compasso ou descompasso da dança... O que vale mesmo é como abraço a experiência. Seremos sempre aprendizes.









Por: Deborah Dubner

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